Baiana premiada pela ONU lança campanha para levar água potável para a África

Baiana premiada pela ONU lança campanha para levar água potável para a África

Chocada com a história da falta de água no semiárido baiano, com apenas 15 anos, a então estudante Anna Luísa Beserra Santos criou uma tecnologia social capaz de oferecer tratamento de água seguro e barato. Dois anos depois, a ideia lhe rendeu medalha na Olimpíada Científica. Nessa época, fundou uma startup chamada Safe Drinking Water for All (SDW). Aos 18, conseguiu levar seu projeto para o Massachusetts Institute of Technology (MIT, nos EUA) e aos 21 foi a primeira brasileira premiada no Jovens Campeões da Terra pela ONU Meio Ambiente, pelo projeto Aqualuz.

Hoje, com 22 anos, a empreendedora baiana lançou uma campanha de financiamento coletivo para levar água potável para a África. As contribuições, a partir de R$ 20, pode ser feitas no site kickante.com.br/campanhas/sdw-africa. A ideia é levar a tecnologia baiana premiada pela ONU para famílias africanas, garantindo água potável para elas. A meta da ‘vaquinha online’ é arrecadar R$ 200 mil para a implantação do Aqualuz e de banheiros em comunidades de Madagascar. Essa é uma campanha conjunta com a Fraternidade Sem Fronteiras, que atua em alguns dos lugares mais pobres do planeta e tem cerca de 23 mil padrinhos como Alok, Reynaldo Gianecchini e Luciano Huck; e com a Liga do Bem, que conta com mais de 500 voluntários e tem atuação em instituições de Salvador e comunidades no sertão, que também já receberam o Aqualuz.

O Aqualuz já beneficiou mais de 1,2 mil pessoas no semi-árido do nordeste brasileiro e recebeu importantes premiações nacionais e internacionais. Anna Luísa Beserra é a primeira brasileira a vencer o prêmio Jovens Campeões da Terra, principal premiação ambiental das Nações Unidas para jovens entre 18 e 30 anos.

O dispositivo é um sistema de tratamento baseado em luz solar, com o propósito de ajudar a resolver um dos maiores problemas de acesso à água potável. A solução foi pensada para tratar a água de cisternas de famílias que residem, sobretudo, em áreas distantes do abastecimento do sistema hídrico.

Jovem Cientista
A ideia inicial para o Aqualuz surgiu em 2013, quando ainda estava no Ensino Médio em uma escola particular de Salvador. Na época, viu um cartaz do Prêmio Jovem Cientista, do CNPq, cujo tema era água. Ainda que, morando em Salvador, não tivesse passado por nenhuma situação de falta de água, tinha estudado sobre a realidade, principalmente no semiárido.

Mesmo com ajuda de uma professora de Biologia e de um professor de Física, Anna Luísa não foi selecionada pelo prêmio. O pontapé mesmo para o Aqualuz sair do papel veio no curso de Biotecnologia na Ufba. Ainda no primeiro semestre, participou da incubadora da instituição – a chamada Inovapoli. Por um ano, entre 2015 e 2016, ela recebeu uma bolsa de iniciação tecnológica do CNPq para desenvolver o projeto.

“Foi bem surpreendente para mim (ter sido aprovada), porque eu era uma caloura concorrendo com gente mais avançada. Eu estava sozinha e um dos critérios era ter uma equipe. Zerei esse critério e ainda fui aprovada”, explicou.

O Aqualuz já teve umas dez versões até hoje, mas o conceito sempre foi o mesmo: captar água da chuva para transformar em potável pelos raios solares. O equipamento, feito de aço inox, é um reservatório com capacidade para 10 litros. Ele é encaixado na cisterna e, lá, faz um bombeamento com o aparelho da mesma cisterna.

“A cisterna faz a captação e o armazenamento da água da chuva, mas a água não é potável. A gente resolve isso com o tratamento do Aqualuz, porque a água fica exposta no reservatório por duas a quatro horas enquanto os raios ultravioleta fazem a desinfecção”, completou. Ou seja: os raios solares tratam a água.

Na hora que o líquido estiver próprio para consumo, um sensor avisa – um sinal que passa de preto para vermelho. Há uma manta acrílica no bombeamento para remover resíduos sólidos como poeira e insetos. Esse material, contudo, está sendo substituído por algodão e outros tecidos brancos mais comuns, para que a manutenção seja feita pelos próprios usuários.

“Essa versão de hoje tem, como diferenciais, a praticidade e a durabilidade. São dois diferenciais que a gente traz devido à evolução do feedback dos usuários. Essa aproximação com o público-alvo tornou o aperfeiçoamento possível”, contou.

Nordeste
Hoje, o Aqualuz está em 53 residências de cinco estados do Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. A escolha das casas foi feita através de parceiros, como seleções de fundações e projetos de aceleração que a startup participou.

A maior parte das casas – pouco mais de 30 – fica na Bahia, nas cidades de Cafarnaum, Campo Formoso, Feira de Santana e Morro do Chapéu. Ao todo, Anna Luísa estima que o dispositivo ajude atualmente 275 pessoas. Até o fim do ano, com a perspectiva de implantação no Maranhão, Piauí e Minas Gerais, ela estima que chegue a 700 pessoas. Até o início do ano que vem, o número deve mais do que dobrar, alcançando 1,5 mil usuários.

Tendo sido beneficiada, no início do projeto, com uma bolsa do CNPq, Anna Luísa se diz preocupada com a atual situação do órgão federal, que é ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações. Como o CORREIO mostrou, o CNPq estava com dificuldades para o pagamento das 84 mil bolsas de pesquisadores devido às restrições orçamentárias.

“Pensei em como eu estaria agora, tentando uma bolsa para iniciar o projeto e ela fosse cortada. O quanto isso não impactaria o projeto? Quem sabe se eu estaria alcançando as coisas como estou agora? São pessoas perdendo um incentivo essencial, porque isso pode estar fechando portas para pesquisadores desenvolvendo coisas surpreendentes que podem mudar vidas”, reforçou.

Com os recursos, Anna Luísa espera desenvolver mais a tecnologia, a exemplo da implantação de um aplicativo que possa acompanhar as famílias em tempo real, gerando relatórios automáticos, e da compra de equipamentos para análise da água in loco. Parte do dinheiro também deve ser usada para enviar unidades a países considerados estratégicos, como Angola e o Quênia. A ideia é que eles conheçam o Aqualuz para pedir mais unidades no futuro.

Além da viagem aos Estados Unidos, Anna Luís também vai receber um prêmio de US$ 15 mil, além de um aporte de US$ 9 mil para publicidade. Haverá, ainda, mentorias, com uma etapa de 10 dias de treinamento para os sete vencedores, na Alemanha. Os ganhadores são dos seguintes continentes: África, América do Norte, América Latina e Caribe, Ásia e Pacífico, Europa e Ásia Ocidental.

Criado em 2017, o Prêmio Jovens Campeões da Terra oferece a jovens ambientalistas o acesso à plataforma Campeões da Terra da ONU, cujos vencedores incluem chefes de Estado, cientistas e visionários ambientalistas que tenham liderança em questões ambientais.

Fonte: Correio 24horas.