Desperdício diminui, mas grandes cidades ainda perdem mais de 1/3 da água potável
As grandes cidades brasileiras conseguiram reduzir a perda de água potável nos sistemas de distribuição. Mesmo assim, o desperdício em 2018 chegou a mais de um terço da água tratada, em média. Isso significa que, a cada 10 litros de água tratada, 3 se perderam.
É o que mostra um estudo do Instituto Trata Brasil e da GO Associados obtido pelo G1 e divulgado nesta terça-feira (10). Ele foi feito com base nas 100 maiores cidades do Brasil, que concentram 40% da população do país, e nos dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), referentes ao ano de 2018.
Em 2017, o índice de perda das grandes cidades foi de 39,5%. Já um ano depois, ele caiu para 34,4%. O valor é inferior à média nacional de perdas, que foi de 38,5%.
A perda é causado por vazamentos nas tubulações, erros de leitura de hidrômetros, roubos e fraudes.
Das 100 cidades analisadas, apenas 3 possuem níveis de perda de distribuição menores que 15%, um valor considerado ótimo. Mais de 70% das cidades têm perdas superiores a 30%, o que, segundo o estudo, aponta um grande potencial para melhorias nas redes.
“Houve um avanço nas maiores cidades, um avanço importante. Há cidades trabalhando fortemente para diminuir as perdas: Campo Grande, Caxias do Sul, Curitiba, Goiânia, João Pessoa. Mas as piores cidades continuam na casa de 50% de perda para cima. Então a tendência é avançar mais onde já é bom e pouco onde é ruim”, diz Édison Carlos, presidente executivo do Trata Brasil.
Édison Carlos também destaca uma mudança de metodologia dos índices nas cidades do estado do Rio do Janeiro, o que possivelmente acentuou a queda do índice entre 2017 e 2018, já que agora cidades que produzem e exportam água para outras deixaram de considerar as perdas nas próprias cidades produtoras. Consultado para o estudo, o Ministério do Desenvolvimento Regional afirma que a alteração da metodologia é legítima.
Os diversos prejuízos da perda de água
De acordo com o estudo, o índice de perda e água é importante não apenas para medir os volumes ou recursos financeiros desperdiçados, mas também para analisar os níveis de eficiência dos serviços de saneamento nos municípios.
Édison Carlos afirma que a perda tem três eixos principais:
- Perda ambiental: “Quando você perde água, tem um problema hídrico, pois precisa tirar mais água da natureza para cobrir o desperdício”
- Perda social: “Quando tem muita perda, a pressão da rede diminui, aí quem fica primeiro sem água é quem mora mais distante, em periferia, e é mais pobre”
- Perda econômica: “A perda quer dizer receita que deixou de entrar na empresa. Você tem custo de funcionário, estrutura e produto químico para tornar a água potável, mas você não consegue receber pela água que fabricou”
Por conta disso, Édison Carlos afirma que um indicador ruim de perda, acima de 45%, é um forte indicativo de “caos” de gestão. “A empresa tem menos capacidade de investir no próprio sistema para combater a própria perda. Por isso, a perda é sintomática”, diz.
“A perda traz prejuízos para todo mundo. Não só a empresa, mas para o cidadão também, já que isso acaba indo para a tarifa e a gente acaba pagando”, diz Édison Carlos, do Trata Brasil.
Água e esgoto
O estudo também analisa outros índices de saneamento das cidades, bem como do país como um todo.
Ainda há quase 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada e mais de 100 milhões sem coleta de esgoto. Além disso, apenas 46% dos esgotos gerados nos país são tratados.
As maiores cidades do país, que, segundo o estudo, devem servir de exemplo de evolução no setor por terem melhores condições econômicas e de infraestrutura para fazer planejamentos e grandes obras de saneamento, apresentam índices acima da média nacional.
Além do índice de perdas, os índices de esgoto também apresentaram melhoras. A população que tem acesso a coleta de esgoto, por exemplo, passou de 72,8% em 2017 para 73,3% em 2018. Já os índices de esgoto tratado passaram de 55,6% para 56,1%.
O único índice que piorou foi o da população com água tratada, que caiu de 94,6% para 93,3%. Isso acontece porque as redes não conseguem acompanhar a expansão urbana das cidades, nem avançar nas regiões que já não tinham acesso, segundo Édison Carlos.
“São áreas mais difíceis, isoladas, periféricas, no semi-árido, que são onde estão essas 35 milhões de pessoas sem acesso a água. Avançar não é fácil, mas é necessário fazer um esforço para atingir essas pessoas.”
Mesmo assim, as coberturas estão aquém do esperado, segundo Édison Carlos. Somente 50 cidades têm mais de 80% da população com coleta de esgoto, por exemplo.
“Se continuar nesse ritmo, a gente vai demorar pelo menos 40 anos nas maiores cidades e mais de 50 no Brasil para universalizar o saneamento. Vai estourar qualquer um dos compromissos que a gente tem, seja nacional ou internacional”, afirma.
Em 2015, o Brasil assumiu o compromisso perante a Cúpula das Nações Unidos sobre o Desenvolvimento Sustentável de universalizar o acesso a água potável e “alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos” até 2030.
Baixo reinvestimento
Para entender os avanços ou não dos indicadores, o estudo também analisou o índice de investimento sobre a arrecadação dos governos municipais. E o resultado não foi animador: a maior parte das grandes cidades do país tem um baixo nível de reinvestimento no setor de saneamento básico.
Isso quer dizer que, do valor arrecadado, apenas uma pequena parcela é utilizada para fazer melhorias no serviço, como a manutenção e a troca de redes e a expansão dos atendimentos. A maior parte é gasta com pagamento de funcionários ou insumos, como produtos químicos.
Das 100 cidades, 70 reinvestem menos de 30% do que arrecadam no setor. Apenas seis investem 60% ou mais na melhoria dos serviço – são tão poucas que são consideradas “outliers” pelo estudo, ou seja, atípicas ou “fora da curva” da tendência geral.
O estudo destaca que é notável que os investimentos atualmente realizados estão abaixo da necessidade para a universalização dos serviços. De acordo com dados do Plano Nacional de Saneamento Básico, o investimento para alcançar a universalização até 2033 devia estar em torno de R$ 24 bilhões ao ano, sendo que, ao longo dos últimos anos, os valores efetivamente investidos ficaram em torno de metade do necessário (R$ 12 bilhões).
Ou seja, na prática, boa parte das companhias de saneamento possui baixa capacidade de endividamento e, consequentemente, de realizar investimentos. Assim, a consequência é a demora no avanço em direção à universalização dos serviços no país.
“Em ano de eleição de prefeito, é importante que a população questione e relembre que a responsabilidade pelo saneamento básico é municipal. Os prefeitos são os elos mais próximos da população, então tem que perguntar mesmo. E o saneamento? E a água? E a tarifa? O poder do saneamento está mais perto do cidadão do que ele imagina”, diz Édison Carlos.
Ranking do saneamento
O estudo também fez um ranking das 100 maiores cidades do país baseado nos diversos indicadores de saneamento básico, como acesso ao abastecimento de água e à coleta de esgoto, o percentual de esgoto tratado e investimentos e arrecadação do setor. Veja a lista abaixo:
- Santos (SP)
- Franca (SP)
- Maringá (PR)
- São José do Rio Preto (SP)
- Uberlândia (MG)
- Piracicaba (SP)
- Cascavel (PR)
- São José dos Campos (SP)
- Ponta Grossa (PR)
- Vitória da Conquista (BA)
- Limeira (SP)
- Campinas (SP)
- Londrina (PR)
- Taubaté (SP)
- Suzano (SP)
- Campina Grande (PB)
- Curitiba (PR)
- Niterói (RJ)
- São Paulo (SP)
- Petrópolis (RJ)
- Ribeirão Preto (SP)
- Sorocaba (SP)
- Jundiaí (SP)
- Mauá (SP)
- Uberaba (MG)
- João Pessoa (PB)
- Brasília (DF)
- Palmas (TO)
- Petrolina (PE)
- Praia Grande (SP)
- São José dos Pinhais (PR)
- Campo Grande (MS)
- Goiânia (GO)
- Belo Horizonte (MG)
- Diadema (SP)
- Montes Claros (MG)
- Vitória (ES)
- Boa Vista (RR)
- Osasco (SP)
- Porto Alegre (RS)
- Serra (ES)
- Taboão da Serra (SP)
- Santo André (SP)
- Salvador (BA)
- Caruaru (PE)
- São Bernardo do Campo (SP)
- Campos de Goytacazes (RJ)
- Contagem (MG)
- Carapicuíba (SP)
- Caxias do Sul (RS)
- São Vicente (SP)
- Rio de Janeiro (RJ)
- Mogi das Cruzes (SP)
- Feira de Santana (BA)
- Juiz de Fora (MG)
- Aracaju (SE)
- Betim (MG)
- Paulista (PE)
- Florianópolis (SC)
- Guarujá (SP)
- Bauru (SP)
- Cuiabá (MT)
- Anápolis (GO)
- Itaquaquecetuba (SP)
- Blumenau (SC)
- Vila Velha (ES)
- Olinda (PE)
- Mossoró (RN)
- Ribeirão das Neves (MG)
- Camaçari (BA)
- Santa Maria (RS)
- Nova Iguaçu (RJ)
- Fortaleza (CE)
- Natal (RN)
- Recife (PE)
- Guarulhos (SP)
- Governador Valadares (MG)
- Canoas (RS)
- pelotas (RS)
- Maceió (AL)
- Caucaia (CE)
- São Luís (MA)
- Aparecida de Goiânia (GO)
- Rio Branco (AC)
- Joinville (SC)
- Cariacica (ES)
- São Gonçalo (RJ)
- Jaboatão dos Guararapes (PE)
- Duque de Caxias (RJ)
- Teresina (PI)
- Belford Roxo (RJ)
- São João de Meriti (RJ)
- Várzea Grande (MT)
- Gravataí (RS)
- Belém (PA)
- Manaus (AM)
- Santarém (PA)
- Porto Velho (RO)
- Macapá (AP)
- Ananindeua (PA)
Fonte: G1.