Sustentabilidade atrai consumidores, mas ações de conservação ainda são caras
undada em 2010, a Camtauá (Cooperativa Mista Agroextrativista de Santo Antônio do Tauá) reúne 44 famílias que coletam e beneficiam andiroba, murumuru e tucumã nas proximidades de Belém, no Pará. Toda a produção da cooperativa é vendida para a Natura, empresa de cosméticos que foi pioneira em explorar bioativos presentes em espécies típicas da região amazônica.
Para garantir a sustentabilidade do negócio, a Natura oferece cursos de capacitação sobre segurança do trabalho e sobre os ciclos de recuperação de cada espécie. A empresa também ajudou a Camtauá a comprar uma sede e a investir em estufas para acelerar a secagem das amêndoas.
A Natura trabalha atualmente com 37 comunidades, 30 delas moram na região amazônica. Desde a criação da linha Ekos, em 2000, a empresa aumentou sua presença no Norte do país, e em 2014 inaugurou um ecoparque em Benevides, município que fica a 35 quilômetros da capital paraense. O complexo industrial é ecologicamente correto: reutiliza água da chuva e aproveita a iluminação e a ventilação naturais. Não há copos descartáveis no espaço e carros elétricos facilitam o deslocamento dentro dos 175 hectares do ecoparque. Lá são produzidos quase todos os sabonetes que a Natura comercializa, assim como essências e óleos utilizados em outros produtos da empresa.
Foram pesquisadores do ecoparque, em parceria com o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), que descobriram um novo bioativo que fez com que a Natura ganhasse a primeira patente verde concedida pelo Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) a uma empresa de cosméticos no país. Ao analisar os resíduos gerados na produção que usa óleos da biodiversidade – e que no ecoparque eram destinados integralmente para a compostagem –, eles identificaram bioativo que será usado em uma nova linha, com previsão de lançamento neste ano. A pesquisa foi desenvolvida com recursos da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial).
“A gente fala que isso é um upcycling. Temos o fruto, usamos a semente dele, fazemos o óleo e do resíduo ainda fazemos alguma coisa. Vamos agregando mais valor e fazendo essa economia mais circular”, detalha Carolina Domenico, gerente científica no ecoparque de Benevides.
Domenico destaca que a parceria com o IPT foi importante no desenvolvimento do novo ingrediente, uma vez que o instituto é reconhecido nacionalmente na área de biotecnologia. “Essa é uma estratégia da Natura, fazer pesquisas junto com instituições de pesquisa que sejam referência em alguns assuntos que às vezes a gente não domina muito bem.”
A SUSTENTABILIDADE COMO NEGÓCIO
Investir em práticas sustentáveis e no relacionamento saudável com fornecedores são medidas que inúmeras empresas estão adotando para aperfeiçoar seus processos, para reduzir o impacto ambiental e para atrair consumidores. Pesquisa divulgada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) no começo do ano mostrou que os brasileiros estão interessados em consumir marcas preocupadas com o meio ambiente e com a qualidade de vida de todos os envolvidos na cadeia produtiva. O levantamento ouviu 2.000 pessoas em 126 municípios e mostrou que quase 38% delas se preocupam em saber se um item foi produzido de forma ambientalmente correta.
A pesquisa também revelou que 31% dos entrevistados aceitariam pagar mais caro por produtos fabricados com baixa emissão de poluentes e com baixa geração de resíduos. E 62% afirmaram que já boicotaram marcas e empresas que violaram leis trabalhistas, que realizaram testes em animais ou que maltrataram animais, que cometeram crimes ambientais, que praticaram atos discriminatórios ou que assumiram posicionamento político diverso do entrevistado. Ainda de acordo com o levantamento, 36% dos brasileiros aceitariam pagar mais caro por alimentos orgânicos, e outros 30% disseram que escolheriam os itens produzidos sem agrotóxicos se o preço fosse o mesmo.
“Os consumidores estão mais exigentes. Eles querem saber como o produto foi testado, que tipo de matéria-prima foi utilizada e qual o impacto energético. A gente começa a perceber que o consumidor brasileiro está propenso a pagar mais por um produto feito de forma mais sustentável”, diz Davi Bomtempo, gerente executivo de meio ambiente e de sustentabilidade da CNI.
Modelos de produção com maior eficiência e menor geração de resíduos não são bons apenas para o meio ambiente. Eles aumentam a competitividade, uma vez que representam redução de custos e podem até gerar receitas com a venda de resíduos para outras empresas que podem usá-los como matéria-prima.
Bomtempo afirma que a economia circular tem que ser vista como um novo modelo de negócio, focado no fechamento do ciclo produtivo, mesmo que seja em outra cadeia. “É um tema bastante novo, que se baseia na melhor utilização de recursos naturais por meio de novas oportunidades de negócio e da otimização de processos na fabricação de produtos. Temos observado que vários empresários brasileiros já adotam práticas da economia circular, mesmo que não conheçam o termo. Mas ainda há muito espaço para avançar. A União Europeia tem legislação sobre o tema desde 2015, nós ainda temos que criar indicadores para mensurar o impacto no país”.
O Brasil não possui legislação que trate especificamente de economia circular, mas a Política Nacional de Resíduos Sólidos, lançada em 2010, introduziu no país a ideia de logística reversa, responsabilizando de forma compartilhada e encadeada o setor produtivo por implementar ações para viabilizar a coleta e a restituição de embalagens e produtos após seu fim de vida útil. Esses resíduos devem ser reaproveitados ou destinados para finalidade ambientalmente adequada. “O resíduo tem que ser encarado como insumo. Alguns estados estão mais desenvolvidos nessa questão, principalmente quando falamos de infraestrutura, porque isso afeta a possibilidade de fazer logística reversa”, explica o gerente da CNI.
POLÍTICAS PÚBLICAS
A Confederação Nacional da Indústria também acredita que é importante o governo desenvolver políticas públicas para fomentar modelos de negócios mais sustentáveis no país, isso porque os custos para investir em processos produtivos baseados na reciclagem, por exemplo, ainda são mais elevados do que aqueles que usam matérias-primas virgens. Outro ponto importante é a criação de indicadores qualificados sobre sustentabilidade e sobre a economia circular. Esses dados ajudariam na implementação de leis já criadas que tratam dos temas, mas que ainda não foram plenamente implementadas.
“Nós temos boas leis ambientais: o Plano Nacional de Recursos Hídricos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a Lei de Biodiversidade. Todos são marcos regulatórios considerados modernos, arrojados e que foram aprovados após muitos anos de discussão. Estamos agora debatendo sobre a questão do licenciamento ambiental. Mas temos que avançar bastante na criação de bancos de dados sobre sustentabilidade e sobre economia circular. É preciso criar políticas públicas que possamos desenvolver esses indicadores, porque aquilo que não conseguimos medir, também não conseguimos gerenciar”, defende Bomtempo.
Biólogo e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Gustavo Luedermann afirma que investimentos para tornar a produção brasileira mais sustentável poderia abrir portas em mercados internacionais onde a conservação do meio ambiente é fator que define quais itens os consumidores vão levar para casa. “Nós estamos neste momento passando por uma sabatina por conta do acordo comercial assinado entre Mercosul e a União Europeia. Eles estão observando com uma lupa questões ambientais e acredito que podem boicotar o acordo se não houver engajamento do Brasil em relação ao tema.”
Medidas como a coleta e estruturação de informações sobre aspectos ambientais nos processos produtivos podem abrir portas para os produtos brasileiros, demonstrando nossos diferenciais positivos em relação aos nossos competidores. Para Luedermann, a apresentação clara dos aspectos ambientais que algumas empresas já adotam indica que isso tem apelo para os consumidores.
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Fonte: Poder360.